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Alcool e atividade física
Recentemente foi divulgado um trabalho produzido por pesquisadores espanhóis em que se recomenda a ingestão diária de cerveja para praticantes de atividade física. Dentre os efeitos alegados, sugere-se que a bebida seja um excelente hidratante, tenha efeito anti-oxidantes, anti-estresse, dentre outras coisas. Para tentar obter informações diretas sobre o assunto, buscas incessantes em bases de artigos científicos, como o Medline, não se encontra nada que pode afirmarr a conclusão dos espanhóis. (Tudo indica que esta é mais uma estratégia de marketing para impulsionar as vendas.) O próprio nome do congresso no qual os trabalhos foram apresentados ("Cerveja, Esporte e Saúde", realizado em junho de 2007) já prejudica a credibilidade das pesquisas quanto a sua imparcialidade científica. Aparentemente, as conclusões já estavam prontas bem antes da realização dos "estudos".

A cerveja possui um teor alcoólico de, em média, 5%, ou seja, cada lata contém cerca de 17,75 ml de álcool, na forma de etanol. Considerando que o etanol tem uma densidade de aproximadamente 0,79 kg/l, calcula-se que uma lata de cerveja tenha, em média, 14 gramas de etanol. As calorias fornecidas pela cerveja são basicamente provenientes do álcool, que libera algo em torno de 7kcal por grama.



Após a ingestão, a maior parte do álcool é absorvida pelo intestino delgado (80%) e estomago (20%), e é rapidamente distribuído pelo corpo devido à sua alta solubilidade em água, se concentrando especialmente no sangue e no cérebro. Quando não há alimentos sendo digeridos, a velocidade de absorção do álcool aumenta expressivamente devido à alta velocidade de esvaziamento gástrico, portanto, a ingestão de álcool com estomago vazio leva a picos mais rápidos e mais intensos de álcool no sangue (conforme amplamente conhecido na prática!).
Outro fator que também aumenta a velocidade de absorção é a temperatura, bebidas quentes promovem um pico sangüíneo mais rápido. Apesar da absorção e aparecimento de álcool no sangue serem influenciados por diversos fatores, deve-se ressaltar que a velocidade de eliminação do álcool é invariavelmente mais lenta do que a velocidade de absorção. Estima-se que a eliminação do álcool ocorra em uma taxa de 0,1 g por quilo de massa corporal para homens e 0,085 para mulheres (Weineck, 2000). Isto significa que um homem de 70 quilos é capaz de eliminar a quantidade de álcool contida em duas latas de cerveja a cada hora.


O principal local de degradação ao álcool é o fígado, onde a enzima álcool desidrogenase ,atua na transformação do álcool em acetaldeído, O acetaldeído é uma substância potencialmente tóxica que se liga de forma covalente às proteínas, modificando sua estrutura, esta substância aparentemente tem relação com a ressaca induzida pela bebida. O acetato é em seguida convertido a Acetil CoA. O aumento da concentração Acetil CoA leva o aumento da síntese de gorduras, incluindo o colesterol (Marzocco & Torres, 1999; Voet & Voet, 1996). Esta alteração metabólica pode levar a diversas disfunções, como acúmulo de gorduras no fígado (quadro conhecido como fígado gorduroso) e, em casos graves, à cirrose hepática.

Também deve-se ressaltar que o metabolismo do álcool produz estresse oxidativo, com liberação de radicais livres (Dey & Cederbaum, 2006; Colome Pavon , 2003; Albano, 1988), o que vai de encontro ao afirmado pelos cientistas espanhóis sobre um suposto efeito anti-oxidante da cerveja.

Outro efeito negativo do álcool é a diminuição dos níveis de testosterona. Resumidam

ente, o eixo da função reprodutiva passa pelo hipotálamo, pela hipófise e pelos testículos. A ingestão de álcool interfere em todos estes pontos, o que pode induzir impotência, infertilidade, perda de funções características masculinas e diminuição do anabolismo protéico (Emanuele & Emanuele, 1998; Emanuele & Emanuele, 2001). Nos testículos, o álcool afeta negativamente a atividade das células que produzem e secretam a testosterona, há redução da liberação de hormônio sexuais.
Em mulheres, os efeitos no sistema reprodutivo também são severos, com alterações no metabolismo ósseo, distúrbios menstruais e alterações nos níveis de estrogênio (Emanuele, 2002).

Para tentar amenizar a controvérsia das afirmações referentes aos benefícios da cerveja, se usa habitualmente o termo ingestão "moderada". Haveria uma controvérsia: se beber pouco não hidrata, se beber muito fica bêbado!


A análise das evidências científicas, nos permite concluir que a ingestão de álcool, seja por meio de qual bebida for, não traz vantagens adicionais aos praticantes de atividade física. Pelo contrário, os potenciais efeitos maléficos fazem a balança pender para o outro lado, sugerindo que bebidas alcoólicas devam ser evitadas. Dentre os efeitos negativos que foram abordados aqui podemos citar: hipoglicemia, alteração da função hepática, prejuízo do metabolismo aeróbio e anaeróbio, alteração das funções psicomotoras e queda nos níveis de testosterona

. Ressaltando-se que o texto não levou em conta questões mais amplas e talvez até mais importantes, como aumento dos níveis de acidentes e de índices de violência, além da deterioração de relações humanas, etc.



Por mais que surjam pesquisas sugerindo que a ingestão de determinadas bebidas possa

prevenir o aparecimento de doenças cardiovasculares, deve-se lembrar que as mesmas substâncias contidas nas bebidas podem ser obtidas de outras formas, sem a necessidade do álcool que a acompanha, como é o caso de uma alimentação equilibrada.

Referências bibliográficas

Dey A, Cederbaum AI.
Alcohol and oxidative liver injury. Hepatology. 2006 Feb;43(2 Suppl 1):S63-74.

Emanuele MA, Emanuele N. Alcohol and the male reproductive system. Alcohol Res Health. 2001;25(4):282-7.
Emanuele MA, Emanuele NV. Alcohol`s effects on male reproduction. Alcohol Health Res World. 1998;22(3):195-201

Marzzoco A & Torres B. Bioquímica Básica. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 1999

Weineck, J. Biologia do Esporte. 2ª edição. São Paulo, Manole, 2000.

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